Páginas

quinta-feira, 9 de agosto de 2012

Pequena obsessão

2. Sobrancelhas. Um romance protagonizado por um cara que tinha sobrancelhas muito bonitas, tão bonitas que ele era rico, amado e bem sucedido só graças a elas. Além de serem sedosas e brilhantes, eram perfeitamente simétricas e idênticas: as duas sobrancelhas tinham o mesmo número de pelos. Mas um dia começavam a surgir nele sobrancelhas dissidentes.  Sim, nasciam sobrancelhas fora do espaço designado na espécie humana para estas questões, que é em cima dos olhos. A princípio saíam um pouco mais à direita, um pouco mais à esquerda, na testa ou nas pálpebras, mas não era uma ou duas, eram muitas muitíssimas sobrancelhas. Infelizmente o protagonista era um cara muito convencional que não gostava da licantropia, dos circos nem dos portugueses. Daí a grande decisão dele era comprar umas pincinhas. Passava o dia inteiro extirpando as dissidentes. Era uma atividade que exigia as 24 horas do dia: perdia o trabalho, os amigos, as namoradas, o cachorro morria de fome, abandonado. Porém, o grave, o verdadeiro nó do relato, chegava quando um dia começavam a surgir sobrancelhas na barba. O protagonista se paralisava diante do dilema, porque duvidava entre usar as pincinhas ou a navalha de barbear de sempre. No romance não sabíamos por que, mas de repente esta dúvida derivava num discurso metafísico no qual eram feitas releituras da Bíblia, da Torá, do Corão e do Popol Vuh. Mil e quinhentas páginas com quatro mil notas ao pé, onze prólogos e sete epílogos. O final ficaria aberto, sem desenlace aparente: “Olhou seu reflexo no espelho, segurando fortemente a navalha na mão direita. Enxergou esse rosto que há dias olhava sem olhar, repleto de marquinhas vermelhas. Falou assim: Sou eu, sou eu. E ele entendeu, por fim, o que haveria de fazer”. Os leitores poderiam interpretar que o protagonista iria se suicidar, especialmente os fanáticos da literatura russa do século XIX. Ou que o livro culminava com uma epifania peluda que o autor, de maneira truculenta, não revelava ao leitor. (Os sete epílogos, surpreendentemente, falariam de técnicas para evitar a caspa em cachorros.)


texto de Juan Pablo Villalobos para o blog da companhia das letras, com o título de "Romances que eu realmente não vou escrever". vocês não sabem como isso me fascinou.

http://www.blogdacompanhia.com.br/2012/06/romances-que-eu-realmente-nao-vou-escrever-i/