2. Sobrancelhas. Um romance protagonizado por
um cara que tinha sobrancelhas muito bonitas, tão bonitas que ele era
rico, amado e bem sucedido só graças a elas. Além de serem sedosas e
brilhantes, eram perfeitamente simétricas e idênticas: as duas
sobrancelhas tinham o mesmo número de pelos. Mas um dia começavam a
surgir nele sobrancelhas dissidentes. Sim, nasciam sobrancelhas fora do
espaço designado na espécie humana para estas questões, que é em cima
dos olhos. A princípio saíam um pouco mais à direita, um pouco mais à
esquerda, na testa ou nas pálpebras, mas não era uma ou duas, eram
muitas muitíssimas sobrancelhas. Infelizmente o protagonista era um cara
muito convencional que não gostava da licantropia, dos circos nem dos
portugueses. Daí a grande decisão dele era comprar umas pincinhas.
Passava o dia inteiro extirpando as dissidentes. Era uma atividade que
exigia as 24 horas do dia: perdia o trabalho, os amigos, as namoradas, o
cachorro morria de fome, abandonado. Porém, o grave, o verdadeiro nó do
relato, chegava quando um dia começavam a surgir sobrancelhas na barba.
O protagonista se paralisava diante do dilema, porque duvidava entre
usar as pincinhas ou a navalha de barbear de sempre. No romance não
sabíamos por que, mas de repente esta dúvida derivava num discurso
metafísico no qual eram feitas releituras da Bíblia, da Torá, do Corão e
do Popol Vuh. Mil e quinhentas páginas com quatro mil notas ao pé, onze
prólogos e sete epílogos. O final ficaria aberto, sem desenlace
aparente: “Olhou seu reflexo no espelho, segurando fortemente a navalha
na mão direita. Enxergou esse rosto que há dias olhava sem olhar,
repleto de marquinhas vermelhas. Falou assim: Sou eu, sou eu. E ele
entendeu, por fim, o que haveria de fazer”. Os leitores poderiam
interpretar que o protagonista iria se suicidar, especialmente os
fanáticos da literatura russa do século XIX. Ou que o livro culminava
com uma epifania peluda que o autor, de maneira truculenta, não revelava
ao leitor. (Os sete epílogos, surpreendentemente, falariam de técnicas
para evitar a caspa em cachorros.)
texto de Juan Pablo Villalobos para o blog da companhia das letras, com o título de "Romances que eu realmente não vou escrever". vocês não sabem como isso me fascinou.
http://www.blogdacompanhia.com.br/2012/06/romances-que-eu-realmente-nao-vou-escrever-i/
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