Páginas

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Tia Nastácia - nossa preta por dentro e por fora

Meu post poderia ser sobre a Emília, na minha opinião a personagem mais interessante do Sítio do Pica Pau Amarelo, não é a toa que Emília, muitos estudiosos, e leitores da obra dizem - também não é difícil perceber -, é a figura de Lobato. Mas, dada a atual conjuntura, Tia Nastácia é quem merece destaque, e quem, de fato, vem ganhando mais atenção quando o assunto é sítio. Além disso, pra mim a cozinheira é a segunda mais legal. Ela é engraçada, gentil, boazinha. Enquanto Dona Benta assume o papel de vó diferente daquelas que faz tudo pros netinhos que vão visitá-las raramente, - sendo a única responsável por eles, ela é mais séria e intelectual - Tia Nastácia faz as guloseimas pras crianças, constrói seus brinquedos, faz vestidinhos para Emília e Narizinho quando elas precisam ir a alguma festa de gala. É uma fofa! E também, representa aquele cômico papel da senhora antiga que tem medo de tudo, não entende as modernidades, ou no caso do sítio, as fantasias que aparecem por aí, e, em todos os casos, apela para o sinal da cruz (muito fiel às senhoras fofinhas que encontramos por aí, ou às vovós mais antigas como a minha!)

O sítio é um clássico! E melhor ainda, um clássico infantil, coisa difícil na nossa literatura. Seja por uma inspiração artística divina, ou por uma aguçada visão empreendedora, Monteiro Lobato, em plenos anos 20, a todo vapor, voltou sua atenção para as crianças. O cara é o Walt Disney brasileiro, minha gente! Não é difícil perceber que a entidade "Sítio do pica pau amarelo" está para a cultura brasileira, em devidas proporções, como o Mickey Mouse está para os EUA. Comparações a parte, eu acho muito, mas muito importante o que ele fez. Muito da nossa cultura foi feita em busca de afirmação, de construção da brasilidade, o que exige uma seriedade que coloca a arte num patamar elevado. É difícil para uma criança se deparar com uma leitura mais densa, como a maioria de nossos clássicos. Ela não entende, perde o interesse e adquire um trauma. Uma história de aventura, divertida, infantil e muito cativante foi uma contribuição genial pro nosso imaginário cultural, ainda mais uma do porte do Sítio do Pica Pau Amarelo, que não é só um livro, mas uma série deles.

Monteiro Lobato, porém, é uma incógnita cultural brasileira! Ele deixou de ser o manda-chuva editorial, literário e artístico da década de 20, para virar, em plenos anos 2000, uma figura polêmica. Muito se discute a seu respeito, e eu muito penso sobre todas essas discussões, a cada nova revelação, a fim de desmascarar qualquer difamação de um ídolo!

Recentemente, vi na capa da Bravo, algo que me motivou a falar sobre isso. Se trata da seguinte frase: "Um país mestiço onde os brancos não tem força para criar uma Ku Klux Klan é um país perdido." Eu já contei essa história mil vezes, e não aguento mais mencionar essa frase. O fato é que é o tipo exato de frase que não se espera de um intelectual, principalmente de um dos intelectuais mais importantes do Brasil, e popularmente, um escritor infantil. Não preciso avançar mais no texto pra dizer que fiquei muito desapontada. Só me falta agora revelarem que Lewis Carrol era realmente pedófilo, e Alice uma puta mirim, ou acharem uma carta de C.S. Lewis dizendo que era ateu e que Aslam era só mais um rei leão, pra eu realmente desistir da vida e passar a ler contos policiais!

A desilusão começou quando Ziraldo teve a "feliz" idéia de defender seu também ídolo, fazendo a ilustração pro tal do bloco "Que m* é essa?", na qual Monteiro vinha abraçado a uma mulata. Diante disso, surgiram n retaliações na internet. Acabei vendo, por um blog, a carta que uma pesquisadora escreveu a Ziraldo, a fim de desmascará-lo, dessa vez - e consequentemente Lobato. Resumindo bem, ela disse que Monteiro era um racista que acreditava que os negros africanos tinham se vingado dos brancos - que os trouxeram pra cá a força para serem escravos - se misturando com eles, e dando origem à nova raça "horrível" dos mestiços, que se acumulam no subúrbio, nos trens da central e blá blá blá. Coisa bem civilizada, hein Lobatão? (A carta pode ser lida aqui: aqui)

Bom, se a vida inteira nós tentamos nos conformar, pensando que Lobato era fruto de sua época, refletia o pensamento da sociedade daquele momento, com as novas cartas achadas e divulgadas por aí, fica difícil ainda acreditar nisso. Para arrematar, essa história da KKK foi o fim. Não quero mais saber de revelações, de cartas e o que for. Ter um pensamento desse, só nos revela o quanto existem por aí nazistas em potencial. Vamos relaxar e ficar feliz porque uma KKK nunca existiu, aqui pelo menos.

Além do mais, o pobre do homem, não está mais aqui para se defender. Sempre fica em nós uma fagulha de esperança pelo fato de estarmos conhecendo, através desses meios de visibilidade fdps, de um pedaço da história, por mais inexplicável que ele seja, e não a história completa! A questão mais urgente, e a única sobre o qual podemos fazer alguma coisa a respeito, é: MONTEIRO LOBATO DEVE SER LIDO? Voltando, a Tia Nastácia, então. Quando pessoas mais vividas, experientes, com o olhar mais influenciado e atento, lêem o nosso querido Sítio são capazes de perceber N indícios, ou constatações, de racismo, e do que viria a explodir em polêmica mais tarde. Contudo, fico pensando se uma criança, inocente, que não sabe NADA sobre isso (se é que é possível) e não tem noção do que é a maldade do ser humano, seria capaz de perceber. E ainda que perceba, isso a transformaria em racista? Posso ser inocente, mas não consigo entender racismo nos dias de hoje. Eu acredito que uma criança, agora, vai encontrar uma sociedade onde o racismo está totalmente extinto, onde ela possa olhar pro amiguinho preto com naturalidade. E aí, quando ela ler o sítio, não vai ser influenciada, porque a influencia da sociedade vai ser (ou deveria ser) mais forte.

Por outro lado, é MUITO FEIO ler que, enquanto Pedrinho vira um passarinho, Dona Benta não sei o que fofinha, Tia Nastácia virou uma galinha preta. Mas se não ler como saber? Lembrando que os livros nos servem como relatos e conhecimento do passado. E como bem lembrou um sábio que eu conheço chamado André Colares: "queimar livros [nazistas] também é nazismo!".

Apesar disso, eu acho que, em toda sua mente perversa, havia um pouco de bondade, cidadania, noção, ou não sei o que, que fez com que Monteiro ponderasse muito seu preconceito no sítio! Temos um "preta velha", "preta por fora", mas jamais podemos identificar, por trás disso, um desejo de KKK. Numa discussão sobre isso, cheguei ao "x" da questão. Uma amiga disse, que apesar de gostar do Sítio, achava que ele não merecia ser lido, por seu autor ser tão escroto. Eu, então, descobri o motivo da minha indignação. Ele, o autor, não merece ser lido por todas as suas perversões enquanto ser humano, porém fez coisas incríveis que não podem ser ignoradas. E quando eu falo incríveis, não me refiro só ao sítio, ele também fez muita coisa pela nossa cultura, deu origem a produção editorial no Brasil, inseriu a ideia de arte na capa dos livros, livros na escola, foi fundamental para o modernismo... esse homem era danado, se metia em tudo! Como ignorar isso tudo? Quer dizer, talvez como Walt Disney, ele fosse um gênio, e como todo gênio, tivesse um lado perverso.
Se eu vejo alguma coisa boa nisso tudo, é o fato de existir uma negra no sítio, e do autor sempre ressaltar isso. A criança lê o tempo todo que Tia Nastácia é preta, sem maiores pudores, e isso pode sim formar uma pessoa livre de preconceitos, de receios ao se referir ao outro. O que cria o preconceito é o tabu que colocam em torno disso, o que eu considero preconceito disfarçado, sabe, esse papo de "não é preto, é negro."; ou "não existe cor de pele"! Por favor, vamos celebrar a diversidade!

Bom, meus filhos vão ler o Sítio do Pica Pau amarelo, orientados por mim, editora forever! Vão se divertir com as aventuras do Pedrinho e da Narizinho e de todos os outros mil personagens que aparecem. Vão saber que a cozinheira era a Tia Nastácia, que ela é preta, e que fica chateada quando é maltrada pela Emília. Aí eles vão entender que existiam os escravos, e como o ser humano pode ser cruel. Talvez mais no futuro, eles fiquem sabendo que na verdade, o autor do sítio era racista, e leiam os outros livros que ele escreveu para adultos.

E tenho dito. Não quero mais falar sobre racismo porque acho esse assunto muito ultrapassado!
Poxa, isso ficou grande!

Nenhum comentário:

Postar um comentário